sábado, 11 de maio de 2024

Bêbado

 Acordei pensando nela. Seria isso só mais uma história de amor? Creio que não. Bebi 6 cervejas ontem. O suficiente para ficar bêbado na véspera, e ficar normal no dia seguinte. Acontece que eu não consigo dormir de cara. Encarar meus sonhos sóbrio é mais difícil que encarar a realidade. Meus sonhos me julgam mais do que o real. A realidade pouco se fode pra minha existência. O Universo não conspira a favor de ninguém. É apenas a sua força positiva que força bons momentos nesse existir. Acho que estou ficando cada dia mais sóbrio, e, por consequência, louco. Eu sento em frente a essa tela em branco e acredito que tenho mundos e fundos para escrever aqui. Talvez não seja verdade. Eu não sou um obcecado pela minha escrita. Caralhos, eu não sou um obcecado pela minha música, que é minha arte mais proeminente. Eu não sou obcecado por nada. Muitas jovens hoje em dia se orgulham (e eu tirei essa estatística do cu) de serem intensas, de colocarem seus sentimentos mais ardentes em todas suas ações. Praticamente bruxas, donas do seu destino e grande apreciadoras de temperos e especiarias em tudo que é emocional. Devo ser o oposto disso. Não sou nada. Sou a indiferença e o vazio. Sou uma tela em branco que para sempre permanecerá amorfa e sem gosto. Será isso verdade? Eu sempre estou com meus sentimentos frágeis, buscando razões para ser esse ser sensível que sou. O menor dos problemas pode parecer o fim do Mundo. Mas logo passa.


Mais um gole de vinho e um rap de Black Alien no fundo, e aqui estou eu. Hoje eu troquei uma ideia de uns 12 minutos ou mais com ela ao sair do trampo. Ela ia pra um aniversário de uma amiga em uma bar na Ceilândia. Eu agradeci aos céus e a todos os deuses quando vi os pés dela ao subir das portas da loja, quando eu estava saindo. Eu queria beijar a boca dela do nada. Eu queria demonstrar desesperadamente tudo o que sinto quando estamos juntos, só nós dois. Mas a cautela me fez indiferente. Não posso ser alguém que vá ser julgado por suas ações. Melhor não agir então. Essa é minha armadilha definitiva. Eu peco por não ter nada a dizer. Mas, no fim das contas, eu o que sinto não pode ser posto em palavras. Ou pelo menos é isso o que acho. Bukowski era craque nos diálogos. Em trocar experiências entre dois personagens. Eu sou craque na introspecção. Escrever em primeira pessoa sobre o que vejo dos meus sentimentos. Deve ser uma escrita muito mais medíocre do que duas pessoas conversando. Mas, é isso que tem pra hoje. Eu sorrio pensando nesse ditado popular. É o que tem pra hoje. A vida é só o agora. O passado, o futuro, tudo isso é só um delírio em nossos cabeças. Desde que comecei a desempenhar meu papel de classe, e quero dizer classe trabalhadora, eu aprendi uma coisa ou outra. Aprendi um pouco sobre mim mesmo, acima de tudo. Acho que sempre vou ser assim. Difícil mudar esse ponto de vista autocentrado. 


Mas, no fim das contas, sou grato. Grato por toda a interação humana que tenho que vivenciar todos os dias. Bukowski odiava os outros e estava melhor sozinho. Eu estou melhor com alguém, ainda que não fale muito. Eu falo muito sobre o velho Buk, né? Deve ser porque é o cara que eu mais leio enquanto dou minhas cagadas diárias. Não sou um grande leitor. Mas meu intestino o é. Escatologias a parte, acho que estou no meu auge. 32 anos. Quase a idade de cristo. Quem saberá dizer como serão os próximos 365 dias? Passei por poucas e boas merdas na juventude. Sou quase um homem de meia-idade agora. Um homem, apesar de toda a garoteagem que desempenho todos os dias. Se eu pedisse um conselho a John Lennon, ele provavelmente diria, se fosse vivo, "diga à garota que você gosta o quanto você gosta dela". Eu pulei essa etapa na adolescência. Fui direto pra Depressão. E de quê me serviu? Perdi a virgindade aos 17 com uma garota maravilhosa, apesar de fora dos padrões de beleza. Fui um tolo em relação a isso, e não valorizei a troca e a conexão com ela como deveria ter valorizado. Nunca me achei bom o suficiente.


 Sempre estive diminuído por algo que dizia que eu deveria ser muito melhor do que realmente sou. Quando, na verdade, eu só posso ser quem realmente sou. Óbvio. Mas, na minha mente deprimida, eu sou nada. Não é verdade. Eu sou algo. Eu estou aqui. E vou lutar para viver.  



domingo, 21 de abril de 2024

I fall in love too easily.

 Três e meia da manhã. Saí para comprar uísque na conveniência do posto de gasolina mais próximo. 32 anos e morando com meus pais. Trabalhando num emprego de merda. Esse é o cenário que a vida reserva pra mim no auge do século XXI. Digo auge, porque muito provavelmente a  humanidade só irá ladeira a baixo a partir daqui. Mas que merda. Caralho, eu não sou ninguém. Não sei conversar com ninguém. Não sei agradar meus interesses afetivos. Sou um merda. E é isso que me sobra. Encher a cara de destilado vagabundo às 4 da manhã. Não sou muito diferente desse meu ex-colega de trabalho, Victor. Foi demitido por faltar demais. Estava sempre de ressaca e bebia como um Opala velho. Pelo menos não tenho filhos. Não dei essa oportunidade de decepcionar alguma prole nesse mundo escroto. Gente demais nesse planeta. Pra quê colocar mais ser humano nessa loucura? Um dos meus melhores amigos, Henrique, diz que está muito satisfeito com sua família, com seu filho e esposa. Eu estou feliz por ele. Mas nunca seguiria o mesmo caminho. Talvez eu deva virar mendigo. Talvez eu deva abandonar todos meus vícios e virar um Monge budista no mosteiro de Pirenópolis. Nada é real. Nada faz sentido. Pra quê perseguir uma vida plena? Não há plenitude. Tudo isso é só um teatro.  Uma sociedade que vive de aparências só tem isso: Uma casca frágil e sem resistência. Que quebra no primeiro baque de realidade. 

Mas porquê essa fossa toda? 


Provavelmente porque fui rejeitado amorosamente por ela. Admirar alguém com as profundezas de sua alma e ser recusado até das migalhas de interesse e afeto pode levar um homem a loucura. "It's always about a girl, even when It's not". Pedro Reis é o maior pensador desse século, e as frases do Juvenillia Café ainda ecoam na minha mente. Mas foda-se. Eu já deveria ter me acostumado. Chet Baker se apaixonava fácil demais, assim como eu. Deu no que deu. Morreu cedo demais e amargurado. "Você fala mal dos Emos, mas age como um o tempo todo" me disse André uma vez em 2006. Ou algo assim. Porra. Ser sensível demais é uma bosta. Às vezes eu só queria ser um macho escroto, coçar o saco e cuspir no chão sem preocupações. De que me serve estar sempre com os sentimentos frágeis? De nada. De porra absolutamente nenhuma. É só um obstáculo. Um impedimento para agir e viver. Estou sempre paralisado. E nem sei bem o porquê.


Aqui estou ouvindo The Doors. Impossível não ouvir a voz de Jim Morrison e não lembra do meu gato, Jim. Meu finado gato Jim. Ele teve uma vida plena, mas eu sentia um pouco da melancolia dele. Abandonado, sem nunca ter mamado da mãe muito provavelmente, Jim era um pouco triste de se ver. Na velhice, ele já estava debilitado. Na juventude, não parecia se encaixar nos estereótipos felinos de forma alguma. Era um estranho, um forasteiro no mundo animal. E talvez por isso, eu me enxergasse tanto nele. Não pertenço a esse corpo. Não pertenço à existência. Eu queria ser o vazio. Eu queria ser o Nada. Mas aqui estou, vivo. É como uma maldição. A vida é uma prisão? Talvez eu esteja pessimista demais. Foda-se. Acho que estar triste é estar vivo. Viver é sofrer. Pelo menos estou sentindo algo. O nada e o vazio não me proporcionaria nada disso. Pensando por esse lado, acho que posso ser grato a minha existência. Tudo passa, eu acho. Isso também vai passar. Vou estar aqui amanhã. E no dia seguinte. E pouco vai importar o pé-na-bunda. Quantos anos tenho pela frente? Se meu coração hipertenso aguentar, diria que seriam mais uns 60 anos. Isso é mais do que eu tenho de vida. Ainda vou me foder muito, demais, nessa vida. E no fim das contas, esse texto será só mais uma lembrança bonitinha de tempos mais juvenis registradas neste blog. 


Levanto da minha cadeira e acendo um cigarro. Dou uma pausa nesse vômito de pensamentos. Eu sentei aqui pensando em contar uma Estória. Algo mais narrativo do que isso. Mas é disto que estou cheio: De mim mesmo. É disso que estou sempre cheio: Dos meus problemas e frustrações. 


Agora são 5 da manhã. Logo o dia vai raiar. E eu vou ter que vestir minha máscara de "está-tudo-bem". Eu trabalho amanhã. Vou dormir pouco e acordar exausto. Vou cochilar até os últimos minutos e pegar uma carona com papai até o trampo. Como se eu ainda tivesse 13 anos e precisasse ir para a Escola. É isso que me resta. Ser quem eu sou. Não preciso esconder isso de ninguém. Eu só estaria fugindo de mim mesmo. 

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

No banco de Réu (2)

A grande questão é que, daqui pra frente, vou ter que fazer exatamente aquilo que nunca me interessou muito: Praticar, repetir, progredir e aprender. Praticar cuidar da minha saúde, repetir os novos hábitos que me propus a ter.  Progredir nessa vida adulta e aprender tudo aquilo que, antes, eu julguei desnecessário. Durante muito tempo eu acreditei que deveria seguir o caminho do artista. Ter grandes ideias e criar em cima delas. Eu ainda as tenho, e realizo minhas criações dentro dos meus padrões de estética. Mas acho que só isso não é suficiente. Deve haver mais para essa vida que nos foi reservada. Eu simplesmente cansei de fazer esses bicos de produção musical e receber tão pouco por isso. Aumentei consideravelmente meu preço mínimo dos 2 sites de freelance que integrei uns 3 anos atrás. Agora poucos me procuram, e quase ninguém fecha algum negócio. Não acho que minha música possa ser precificada. No entanto, minha disposição física, mental e o pouco de juventude que me resta me parecem ser bens muito valiosos. Acho que o Serviço Público é o menos pior de se realizar nessas condições. Não sou muito fã do caos que se passa na iniciativa privada. Quero dizer que a estabilidade, saber que não vou ser demitido do nada, me agrada.

Seria bom ser remunerado para fazer o que gosto sem me preocupar com o futuro? Claro. Mas quais as chances disso realmente acontecer? Quando adolescente, talvez até o início da vida adulta, eu acreditava que tudo que eu precisava estava em minhas mãos. E nas minhas mãos, na maior parte do tempo, estava uma guitarra. Comecei a produzir música no meu quarto do jeito mais 'Do It Yourself' o possível, e até hoje eu gosto do resultado tosco que eu cheguei naquele tempo. Eu tinha 25 anos quando lancei meu primeiro "Álbum". Digo álbum entre aspas porque estava longe, muito longe de ter uma qualidade fonográfica aceitável. Não faria sentido nenhum subir aquelas músicas no Spotify, por exemplo. Eu já fiz isso uma vez, quando já estava mais experiente e sabia uma coisa ou outra sobre produção. Mas, ainda assim, aquelas primeiras músicas, feitas no quarto na antiga casa em Belém me tocam de um jeito carinhoso que nem sei explicar. 

Completamente distante do que os grandes artistas já haviam feito aos 25 anos. Com 27 a maioria deles já estavam mortos. Acho que estou no lucro, se parar pra pensar assim. Eu tive sucesso em comunicar o que fazia sentido pra mim sonoramente naquele momento. E isso, de fato, não tem dinheiro no mundo que compre.

Mas é preciso pagar as contas. Ir ao supermercado. Pagar o plano de saúde. Financiar um carro. Pagar o IPTU, fazer revisão no veículo. Comprar remédios. Pagar o condomínio. Declarar Imposto de Renda. Etc, etc...

Diabos, eu não faço nada disso. Estou na asa dos meus pais até hoje. E tenho 31 anos. Eu sinto um tanto de vergonha quando me pego me analisando por esses termos. Não quero ser essa pessoa mais. Não quero estar nessa pele aos 40. Mas será que querer é suficiente?


A mudança só vem para os que se comprometem com os pequenos atos. 


Lutar contra si mesmo nas pequenas ações pode ser uma tarefa Hercúlea. Se dedicar dia sim e dia também a um objetivo distante, porém alcançável, é maior do que a queda de um Titã. Confesso que ainda não consegui internalizar isto. Acho que começar a escrever todos os dias, sem falta, antes que a meia noite se apresente, pode ser um exercício inicial para este modus operandi. No fim das contas, a única pessoa que estou enganando é a mim mesmo. Não vou na academia a dois dias. Eu posso ficar me sentindo mal por isso, ou simplesmente ir até lá nos próximos dias. Encontrar esse ritmo. Esse impulso, este ímpeto.  E me manter com essa força, essa inércia. É isso que irá transformar a minha realidade.

Vencer a Resistência. Por Resistência me refiro àquela voz que me diz para adiar aquilo que deve ser feito. Ela é constante, e insistente na minha personalidade. Não sei desde quando isso se dá, mas é provável que minha tendência a estar em um estado dormente tenha se iniciado no fim da infância, começo da adolescência. Para não me machucar, comecei a simplesmente não sentir absolutamente nada. Esse vazio corroeu tudo ao seu redor, inclusive minha sanidade. Mas isso está no passado agora. Me sinto muito mais centrado hoje em dia. Mas ainda assim, preciso vencer a Resistência. Esse é meu grande Trabalho. É isso que vai ditar meu caminhar daqui pra frente. E só eu posso garantir isso para mim mesmo.

Passei uma grande parte do início da adolescência me sentindo um Lixo. Quando tinha 13 anos, sofri episódios de bullying na escola que frequentava. É difícil falar sobre isso, e corro o risco de parecer pedante e monótono ao fazer-lo. Mas tudo gira em torno da figura de Gabriel Castro. Esse moleque me infernizava e virava aqueles que eu considerava amigos, contra mim. Eu só conseguia me sentir um fraco, um nada. algo errado. Na único vez que eu tive a chance de dar um belo soco na cara desse indivíduo, eu também falhei. Me pus a chorar no meio do recreio. Eu nunca acreditei na violência como meio e nunca me vi desempenhando esse papel. "Sê como o sândalo que perfuma o machado que o fere", disse um velho Sábio. Não sei o quanto minhas lágrimas perfumaram Castro. Provavelmente porra nenhuma.

Só sei que esse ano de 2005 foi crucial para mim. Ele ditou toda minha autoestima e me fez me enxergar como um pedaço de bosta que anda. 

Muito duro comigo mesmo? Talvez. Mas acho que a distância que o tempo conferiu a essas situações me trouxe qualquer tipo de sabedoria. Sim, eu ainda me vejo sob uma ótica deturpada de inferioridade. Mas, com tanto tempo que se passou desses traumas, acho que posso estar em paz com a situação toda. Eu estou vivo, estou aqui. Ainda sou capaz de amar e de sentir. Isso que importa. Esse mundo é caótico e injusto. Viver pode ser um castigo, e a existência é uma prisão na maior parte do tempo. Mas precisa ser assim? Outro grande sábio teria dito que o problema nunca é o problema, mas a sua reação diante ao problema. Estar vivo é uma tarefa que desprende de um imenso gasto energético. Talvez não seja a dádiva e a bênção que a maioria dos místicos querem nos fazer crer. Mas estar vivo continua sendo um milagre ao meu ver. O poder de transformação que todo ser vivo desempenha é de fato incrível. Ainda que seja apenas transformar oxigênio em gás carbônico. A respiração é a base da meditação, e a meditação é o caminho para a iluminação, certo? Talvez não tão simples assim, mas eu gosto de simplificar as coisas para melhor desempenhá-las e compreende-las. 





domingo, 24 de setembro de 2023

No banco de Réu

Sempre me considerei um músico. Apesar de não ser daqueles fascinados por teoria musical. Tampouco aqueles que estudam seus instrumentos 10 horas por dia. Praticar, repetir, progredir, aprender. Nada disso nunca me agradou. Eu sempre gostei de compor coisas originais. Mas minhas técnicas de composição sempre foram limitadas apenas por meu gosto e bom senso (?) em Música. Certo, talvez eu tivesse algum talento, mas sempre me faltou ambição. No Ensino Médio, professores certas vezes me descreviam como "vagabundo". Alguém que não primava por todo seu potencial. Estudar nunca foi um interesse genuíno para mim. Isso deixava meus pais malucos, pois minha "única obrigação é estudar"! Sempre tive conforto nessa vida e ainda o tenho. Mas nunca foi fruto do meu Trabalho. Certo, volta e meia consigo um freelance para compor trilhas sonoras de Videogames (outra paixão minha), mas nunca me rende mais do que uns 40 dólares a cada três meses, por alto. Esses bicos começaram quando resolvi aliar meu gosto por jogos com a fascinação por música. Tentei a faculdade de Desenvolvimento de Jogos Digitais. E como todos os outro cursos superiores que prestei, falhei em me formar. Mas conheci pessoas  e vivi coisas interessantes. E tornei esse meu ofício mais eficiente. Meus fonogramas já não soam tão amadores assim, e conseguem agradar clientes aleatórios de outras partes do mundo. Se isso é o suficiente para ser bem sucedido nessa sociedade monetarista, isso é outra história...

Dinheiro. Dinheiro sempre foi um problema. E uma tentação. Sou da opinião de que dinheiro não deveria existir para a sociedade funcionar de maneira justa. Mas quando tenho dinheiro nas mãos, não hesito em gastá-lo para obter fetiches de consumo. Contraditório, como tudo que é humano. Não que eu seja um gastador compulsivo, até porque não tenho fundos para tal, mas não penso no dinheiro enquanto investimento. Seria um péssimo empreendedor. Dinheiro é um meio e não um fim. Se é isso que eles querem, que peguem o meu. E me deem minhas tranqueiras. Meu fone de ouvido para trabalhar nas minhas músicas. Meu mixer de DJ para aprender a tocar em festas, se necessário. Minha placa de vídeo nova para o meu computador, que já está lutando para rodar os jogos dessa geração. A infinidade de Games que eu compro e nunca termino. O dinheiro é um obstáculo para todas essas coisas. Eu o odeio. Eu o desejo veementemente.

Mas não só nessas questões estritamente pessoais, e pra não dizer egoístas. Dinheiro, ou a falta dele, também me impede de pensar no longo prazo. Não consigo ver meu futuro ao lado de um relacionamento afetivo. Como eu vou sair com uma mulher se não consigo nem pagar um café? Sei que não deve ser tão duro assim, e deve haver pessoas na mesma situação que eu. Mas seria confortável ter uma certa independência financeira. Seria bom ter um apartamento só meu, talvez um carro. Um lugar para ir todas as manhãs, um emprego. E é aí que começa a minha empreitada.

Sempre vou ser um artista. Mesmo que o seja apenas nos momentos de lazer. Não tenho a pretensão de monetizar a minha música. Poucas as vezes a obrigação de produzir algo me trás algum tesão no ofício. Mas, no fim das contas, se eu não quero vender a minha arte, o que sobra? Força de trabalho. E é nesse ponto que eu resolvi que quero ser Funcionário Público. Comecei a estudar pra um concurso de Banco. Carreira bancária nunca passou pela minha cabeça quando eu era criança ou adolescente. Mas quanto mais o tempo passa mas eu noto que não podemos fazer só o que ressoa com nossos sonhos e aspirações. A vida adulta também é feita de momentos em que fazemos não o que queremos, mas o que devemos fazer. Eu devo isso aos meus pais, a minha família. Ter uma estrutura nessa vida e conseguir planejar um futuro, cuidar do meu bem estar, estar equilibrado mentalmente, emocionalmente, financeiramente. Tudo isso eu preciso fazer para honrar aqueles que me trouxeram até aqui.

É engraçado. Eu sempre fui um idealista e sempre estive convencido de que não seguiria uma carreira tradicional. Não me renderia a turma dos engravatados. Eu acreditava ser um rebelde, alguém que estaria sempre contra a corrente. Mas vejo que isso, em grande parte, era só um reflexo da imaturidade, dos pensamentos ingênuos, da idealização do que deveria ser a vida de alguém "autêntico". Pra quê isso tudo? A quem eu estou querendo me afirmar dessa maneira? Porque me preocupo, ou preocupava, tanto com minha imagem de revoltado e "inconformado"? Esse preciosismo todo me privou de vivências. E eu sento aqui em frente a este computador e brinco de ser escritor. Mas pra escrever é preciso viver. Eu definitivamente deveria ler mais também, mas, viver é urgente.

Acho que o grande problema sempre foi a procrastinação. Estive muito acostumado aos prazeres imediatos, fáceis, sem esforço. Trabalhar em algo com frequência, constância e persistência sempre foi muito difícil pra mim. Sempre que vejo o lampejo de uma rotina se formando, minha tendência é abandonar, procrastinar. Mesmo nesse exato momento, estou quase me forçando a escrever em meu esforço para reverter essa mania. Comecei a me exercitar fisicamente, pois estou muito acima do peso e minha saúde e condicionamento físico não são lá essas coisas. É difícil ir com frequência à Academia. Mas, pelo menos, estou sempre acompanhando de um grande amigo meu, o Henrique. Isso ajuda a manter a rotina. Estou trabalhando aos poucos nesse problema da procrastinação. E fazer algo 5 vezes por semana, como ir à academia e  suar um tanto, já é uma grande mudança ao meu ver. O grande questão será manter. E isso também pode se aplicar à rotina de estudos para o Concurso.

Resolvi que vou estudar 4 horas por dia. Ou, pelo menos, assistir 4 horas de videoaulas por dia. Hoje foi o primeiro dia que segui esse meu novo cronograma então ainda não consigo avaliar o quanto isso está me impactando enquanto ser humano. Mas estudar, dizem, pode ser libertador. Adquirir conhecimento nunca vai ser um desperdício. Hoje, por exemplo, notei que não sou tão ruim assim em compreender a gramática da língua portuguesa e sua morfologia. Na escola eu sempre tive muita preguiça pra aprender qualquer coisa, inclusive a minha língua materna. Então é como se eu estivesse tirando um atraso de uns 15 ou 20 anos. Ou mais. E afinal, se estou tentando desempenhar este papel de escritor, ter uma relação com a língua pode ser produtivo.

Sobre escrever: Eu preciso ler. Eu leio muito pouco. Jogo muitos videogames e leio pouco. Preciso retornar ao hábito da leitura. Então decidi que vou começar pela obra de Tolkien. Pretendo ler o Silmarillion, depois O Hobbit, e então a trilogia O Senhor dos Anéis. Eu nunca terminei essa última, apesar de já ter lido o primeiro livro umas 2 ou 3 vezes. Acho que ler mais vai ser uma grande fonte de inspiração para seguir escrevendo.

Este texto está cada vez mais se parecendo com um diário. Não sei até que ponto isso é bom. Nem se interessaria a alguém ler essas coisas. Mas eu tenho esse sonho estranho de escrever o suficiente para compilar um livro. Será que essas reflexões são dignas de uma publicação? Dizem que a melhor coisa que alguém pode escrever é sobre a própria vida. Estar destrinchando aquilo que é familiar, imediato a existência, te dá uma certa autoridade e firmeza ao tratar do assunto em questão. Pelo menos é isso que penso. Minha vida não é uma aventura. Nem um romance apaixonante. Na verdade, minha vida é bem monótona. Mas o melhor e mais capacitado escritor para tratar dela sou eu mesmo.



domingo, 19 de março de 2023

Eu (parte 2)

 as vezes não sei o que quero fazer
as vezes não sei como deveria viver
minha psicóloga fala em aprender a servir
claro que ela tem razão, eu não deveria ser tão

autocentrado. Talvez, por mais pessimista que eu seja, em relação a mim mesmo, eu me coloco no centro
 
e distorço a verdade à minha imagem e semelhança.

faz muito tempo que não escrevo nada. Sempre achei que escrevo melhor bêbado. Isso que dá ler bukowski e nunca mais parar.
Mas eu tô parando.... aos poucos.

A luz lá fora dá vida às cores. O verde das palmeiras. O cinza do asfalto. A sensação de ter a vida breve passando em instantes efêmeros. A vida, dizem, é uma experiência curta. Não acredito nisso. A vida é longa. E passa na velocidade que tem que passar.

Existir é um mero acaso. Será isso verdade? Que seja. Eu gosto de estar aqui. Digitando palavras soltas numa nota auto-adesiva. Eu sigo refletindo sobre minha própria existência. Como um trompetista improvisando um jazz numa noite quente. Como Chet Baker instrospectivo lamentando sua última namorada.

Eu posso, e devo, amar meu semelhante. Eu deveria encontrar uma mulher a quem pudesse servir e amar. Eu deveria ser um servo do desejo alheio, para convencer meu egoísmo da sua insignificância. Eu deveria resignificar toda a forma de se encarar. Não é uma fuga. Fugir de si mesmo é a coisa mais burra. E ao mesmo tempo intuitiva. Que alguém nascido 1992 poderia fazer.

Eu acredito no coletivo. Eu aprendi o socialismo dando voltas no mundo. No "meu" mundo. Ninguém me forçou a pensar do jeito que penso. Ninguém me forçou a vender minha força de trabalho. Eu só quero estar em paz. No lugar onde nasci. Nesse país desigual. Nesse Distrito preso em si. Eu quero acreditar. No potencial de bondade de todas as pessoas. Eu sou inocente, pois dou uma chance ao pior dos bandidos. Porque olho nos olhos deles e penso "ok", "ele vai levar meu celular", "mas talvez consiga mudar sua existência material nesse mundo competitivo e insano", "eu não mereço esse aparelho de qualquer forma".

O mais bondoso dos deuses não merece a humanidade. Não tem nada de bonito em estar desesperado. Mas o Redentor perdoa seus irmãos, humanos. Pois Consciência é isso. É ser misericordioso com todos os seres.

Eu não quero me colocar no centro, como fiz um tempo atrás. Eu não quero ser o início - e o fim - do mundo. Eu só quero ser David. E estar pronto pra próxima segunda-feira.

Eu posso - e vou - viver essa vida adulta. Eu nunca quis envelhecer. Mas não depende de mim. Estou vivo. Estou aqui. E vou seguir.

Seguir escrevendo sob títulos definitivos.

Agradeço a todos os amigos que estão aqui.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Já vi árvores mais tristes que você num condomínio de classe média alta.

 Sabe como é... pandemia e os caralho. Faziam dois anos que eu não saia de casa. Até que em determinado momento, galgado na minha discrição e na sabedoria dos Deuses, eu resolvi sair de casa. Vesti minha máscara e pensei: Vou tomar um porre.


Não que eu não estivesse bebendo aqui dentro. Mas beber na rua.... talvez fizesse as coisas acontecerem. A roda da fortuna nunca para de girar. Tudo depende de quando você resolve saltar fora dela.


Me olhei no espelho. Ali estava um cara não tão mais jovem. Com 30 anos na cara você não tem mais desculpas. Ajeitei a máscara no rosto, cuidei para o nariz estar bem protegido (eu acredito na Ciência, afinal) baguncei meu cabelo milimetricamente e andei pelo corredor.


A gata laranja estava na sala, deitada no sofá. Me olhou com desconfiança.


- Oi, Belle. - tentei ser carinhoso.


Ela pulou fora para a varanda e me deu as costas.



Tirei minha chave do bolso, abri a porta da área de serviço. Desci as escadas do primeiro andar  e ganhei a rua. 

Tudo parecia o mesmo. As pessoas continuavam suas vidas normalmente. Quem liga que tantos conhecidos tenham morrido? Andavam pra lá e pra cá com seus cachorros pinscher, passeavam preguiçosamente enquanto suas crianças saltavam e perambulavam energicamente. Nada afeta os habitantes de Águas Claras. Pouco tempo atrás chegou a notícia de uma guerra. Um presidente conservador e um povo tendendo para o neofascismo estavam se engalfinhando no outro lado do mundo, por causa da geopolítica, e do status quo ditava a venda de armas. Eu também ligava pouco. Não era pra esse tipo de reflexão que eu resolvi dar uma volta.


Caminhei desesperançado até o bar. Ali estavam os mesmos bêbados de sempre, abusando da paciência dessas mulheres que lá trabalham. Uma moça mais velha chamada Carla, e uma garota uns 10 anos mais nova que eu, que nunca prestei atenção no nome. Elas lidam com esses chatos sem-noção com uma prática implacável. Estão sempre ligados no futebol, e sempre prontos a dar opinião sobre assuntos que pouco dominam. Me esgueiro entre um macho escroto e outro e abro a geladeira das cervejas. Pego uma. Normalmente, pegaria 5, e rumaria para casa. Mas hoje é dia de fazer as coisas acontecerem, não é mesmo?

Quando começo a andar até o caixa, noto que uma fila se formou. Me planto atrás de uma jovem de cabelos pretos. Espero minha vez.

Ela se vira e olha pra mim.

- Itaipava! - ela diz com um sorriso. - Essa é da boa.

- É boa porque é barata. Nada muito além disso.

Ela ri.

- Quanto menos dinheiro, mais álcool no sangue!


Aí estava um ser humano sábio. Ela devia ter pouco menos que minha idade, mas transbordava carisma e sabedoria. Usava uma franja meio emo que combinava com as fivelas azuis no cabelo. Seus olhos eram de um castanho claro e suave. Ela me fitou com esses olhos, por cima da máscara de pano preta com uma estrela vermelha do lado esquerdo. Retribuí o olhar. Ambos soubemos que estávamos compartilhando um tipo de confidência rara. Dessas que parecem até uma amizade provada pelo tempo. Apesar do pouco tempo.

 Olhei para o que ela estava segurado. Uma garrafa de Heineken.

 

- Heineken! - Eu disse num ímpeto salutar. - Parece que alguém recebeu o salário hoje.

- Se é que pode se chamar de salário. Recebi um pix e é isso que importa.

 - Sei bem como é. Às vezes temos o suficiente pra uma noite. Às vezes temos noites demais pra ter o suficiente.

- Nosssaa.... seria poético se não fosse tosco - Ela ri, dessa vez mais alto. - Mas gostei do aforismo. Você é poeta? Escritor freelancer?

- Sou músico.

- Ai, gente, tadinho...

 - É, sei sei. Tô na base da cadeia alimentar.

- Talvez pior até que eu. E olha que eu sou ilustradora.

- Artista plástica?

 -UnB, 2016.

 - Porra, aí sim... eu nunca consegui me formar em porcaria nenhuma.

 - Não importa. Pelo menos você tá fazendo o que gosta. Querendo ou não, isso é um privilégio. 

- Um entre muitos, né. Homem, jovem, hétero cis e branco. Não deveria estar tão na base assim.

- Talvez a pobreza voluntária seja sua virtude.

- Gostaria de acreditar que sim. Mas, também, seria gostoso limpar minhas lágrimas com uma nota de 100.

Ela riu de novo.

 

Chegou a vez dela. Ela colocou a garrafa no balcão e tirou o celular do bolso. Escaneou o QR Code do pix do bar que está colado com durex no balcão.


Só isso, meu bem? - Carla perguntou com esmero.

- Por enquanto, só. Vamos ver como a noite se desenrola.


Carla ri.



Paguei com meu cartão de débito. Aquele cinza que tem uma guitarra desenhada na parte da frente. Às vezes acho que preciso me afirmar como músico com frequência, do contrário, jamais o seria.


- Desculpa - eu disse, seguindo a garota enquanto saíamos do bar. - Eu não peguei seu nome - provavelmente eu estava traduzindo uma expressão em inglês ("didn't catch your name"). Nem me toquei que, em português, isso soava como um flerte mais do que eu gostaria. Me dei conta disso pouco depois e me senti meio idiota. Porque, afinal, eu usava expressões de sitcoms estadounidenses pra me expressar? Acho que o complexo de vira-lata afeta até um esquerdista como eu.

 

- Ah, eu sou a Bia! Beatriz.

 

- Beatriz! 

 - Pode me chamar de Bia - dissemos ao mesmo tempo.

- Gostei da sua máscara 

- Bonita, né? Eu que fiz.

- Uau! Ficou da hora.

- Bem, "eu que fiz" é exagero. Provavelmente chineses em condições análogas a escravidão fizeram. Eu só pintei a estrela.

 Nós rimos.

- Nunca entendi esse rolê dos trabalhos precarizados na China. O partido Comunista não faz nada pra impedir essa bagaça?

- Contradições do socialismo real! Mas não sou nenhuma perita em comunismo Chinês.

 

 

Estávamos de pé em frente ao bar. Ela se sentou no meio fio, sem se importar. Eu fiz o mesmo, ao seu lado.

 

 

Ficamos alguns segundos em silêncio.


- Essa pandemia derrubou muito a gente, não é? - Eu perguntei sem saber muito pra onde esse papo ia nos levar


- Porra, totalmente. - Ela disse - Todo mundo que eu conheço está com algum problema. Ansiedade, depressão, autodepreciação. Parece que nossa geração passou por um momento de pagar pelos pecados.

- Isso é pesado. - Eu disse, dando um gole na minha cerveja. - Mas, no fim das contas, talvez também seja um momento de catarse.

- Em que sentido?

- Acho que no sentido de ver que nossos problemas pré-pandemia são pequenos. E se podemos superar esse caos que foi colocado sem a nossa permissão, podemos passar por muita coisa.

 - Gosto de como você pensa. Eu costumo ser a garota pessimista do rolê. Mas meu coração é  mole no fim das contas.

 - Parecer durona pra não deixar transparecer, mas sentir tudo com intensidade? Esse sou eu também.

 - Hahaha... Sim. Você realmente fala como um artista, já te disseram isso?

 Deu um gole com um sorriso num canto da boca.

 - Eu tento me expressar de acordo com minha essência. Ainda que não saiba fazer isso o tempo todo.

- No fim das contas, tudo o que existe é ser você mesmo. Trair isso é um pecado mortal.

 - Você fala muito em pecado, é católica?

Ela pareceu surpresa. Riu em seguida e deu um gole em sua cerveja.

 - Estudei em escola católica a infância inteira. Na adolescência fui pra Escola Pública. Foi o começo da minha rebeldia.

 - Você quis ir?

Ela assentiu.

 - Não fazia sentido pregar o amor aos pobres e nunca ter olhado alguém mais necessitado que eu nos olhos.

- Uau. Faz sentido. Forte isso. Eu estudei um ano em uma escola católica também. Mas transitei entre as escolas particulares pequeno-burguesas a infancia e adolescência toda.

- Um brinde - Ela propôs, erguendo sua Heineken em frente ao meu nariz. - Aos pobres e aos excluídos!

 

Ergui minha lata de Itaipava e bati na Heineken dela. Tome um vigoroso gole e notei ela me olhando de canto de olho enquanto bicava sua cerveja.

 

- Que tipo de música você faz?

- Trilha sonora pra Games, principalmente. É o que tem me movido ultimamente. Mas talvez minha essência esteja bastante no Rock e Metal. Especificamente Stoner Rock e Doom Metal nos ultimos 10 anos.

Ela me olhava enquanto eu falava. Parecia entrertida.

- Caralho, 10 anos.... Já faz uma década que eu descobri a última tendencia que me fez mergulhar na minha capacidade criativa. Acho que to ficando velho.

- Você não parece velho. Quantos anos tem?

- 30.

 - Hum. - Ela engoliu um gole - Achei que tinha bem menos. Vinte e poucos?

- Eu não pareço tão velho mesmo. Culpo a falta de barba. 

- Mas isso é bom. Sinal de boa genética. 

- Não que eu me esforce muito pra ter boa saúde. Mas realmente não tenho do que reclamar.

- Um pouco de cada vez te leva longe - Ela disse - Caminhar todos os dias já ajuda muito.

- Sim, sim.... tem razão. Preciso vencer minha inércia física.

- É só fazer. Se forçar e cumprir um compromisso consigo mesmo.

- E essa é a parte mais difícil.

 - Sim, total.

- Um brinde às partes difíceis da vida. - Eu disse, erguendo minha lata de Itaipava em frente ao nariz dela.

 

Brindamos. Logo depois ela se levantou e perguntou: "vamo andando"?

 - Pra onde?

- Qualquer lugar. Não gosto muito de ficar aqui.

 Os homens estavam assistindo um jogo de futebol e berrando de quando em quando, enquanto faziam comentários escrotos sobre os jogadores. Eu também não era muito fã desse ambiente. Assenti. Me levantei e fomos caminhando juntos. 



Anoitecia. O céu estava quase em nuvens e era possível ver estrelas se mostrando timidamente. Andamos em silêncio lado a lado por um minuto inteiro.



- É aqui que eu fico. - Ela disse.

 

- Aqui? Onde você mora?

 - Longe de tudo. Perto de nada. No fim das contas, tudo o que temos somos nós mesmos.

 

- Que?

 

 

Ela simplesmente desapareceu diante dos meus olhos. Como se nunca estivesse estado lá. Como se fosse uma película de filme se transpondo sobre outra. Um efeito maravilhoso, e cálido.

 

No fim das contas eu sempre estive só.

 

 

 

terça-feira, 19 de julho de 2022

Essência Humana e Sociedade (um manifesto)

         Aparentemente, o objetivo último da interação dos animais com o meio em que vivem e as relações entre seus pares, é a sobrevivência e reprodução da espécie. Hábitos de vida, convivência e sociabilidade reproduzem condições que visam a preservação e aprimoramento dos seres. Isso cria estruturas organizadas, em certo grau de complexidade, que regem os diversos comportamentos desses seres em seus inúmeros aspectos de existência (alimentação, integridade física, localização geográfica, alojamento, etc.)

        O ser humano não difere dessa lógica. Exceto pelo fato de que parte desses comportamentos sociais depende do aprendizado, e não meramente de instinto. A Humanidade tem uma bagagem cultural tão extensa quanto sua bagagem genética. E, em nossa condição humana, necessitamos das reciprocidades com nossos pares para despertar o nosso potencial como espécie. Precisamos do outro para sermos humanos. Para ensinar e aprender com o outro, nos valemos da comunicação estruturada na linguagem, que por sua vez é composta por símbolos.Vivemos, para além da vida física, um Universo Simbólico, a partir do qual atribuímos e comunicamos aos nossos semelhantes um sentido para nossa existência. Assim, transferimos experiências e conhecimentos através da reflexão. Esse arcabouço simbólico de experiências e conhecimentos nos permite situar-nos no tempo e espaço, pensar e compreender o passado, e planejar o futuro. É a base do pensamento científico. A Ciência não seria possível sem os alicerces culturais de organização, interpretação e transformação da realidade.

        Assim como as diferentes culturas, existe uma pluralidade na forma de pensar e intervir na realidade que provêm das especificidades de vivências de determinados grupos. Somos únicos e distintos, agimos de acordo com necessidades específicas de nosso ambiente imediato, e pensamos o mundo de acordo com experiências e conhecimentos forjados por indivíduos únicos: Nós e nossos pares. A pluralidade é uma característica Humana. Somos limitados enquanto indivíduos, mas as formas de pensar e agir são, virtualmente, infinitas. Há uma (ou talvez mais) para cada ser humano que viveu, vive e viverá. Somos eternos aprendizes, pois nossos professores estão em toda parte.

        A Ciência deve se valer dessa pluralidade. O estudo da sociedade passou pelo abandono de preconcepções míticas e religiosas, e pela valorização da racionalidade humana para compreender as forças da vida coletiva que regulam essas sociedades. Através da observação empírica e objetiva é possível, assim como o resto da realidade, organizar, interpretar e transformar a vida social. Existem diversos métodos e mecanismos de estudo que fazem isso possível. Mas um deles seria a padronização de determinados segmentos sociais. Nós somos únicos enquanto indivíduos, porém podemos ser categorizados e encaixados na sociedade de acordo com características como idade, etnia, religião, nacionalidade, ocupação profissional, ideologia política, etc. Essas diversas facetas e características coletivas de um indivíduo podem ser objeto de estudo das Ciências Sociais. E as conclusões objetivas desses estudos podem, e devem, influenciar a Ciência e a Ação Política.

        Em suma, estudar a sociedade para transformá-la pressupõe estar alinhado com a essência plural dos seres humanos. É acreditar que a voz de todos pode ser ouvida, que as vivências e conhecimentos de todos têm valor. É incluir os excluídos. É dar oportunidades iguais de sobrevivência e aprimoramento pessoal a todos os cidadãos. É se colocar contra a alienação que  gera pessoas deslocadas e solitárias. É garantir que o coletivo esteja a serviço de todos, e que toda forma de vida seja respeitada e acolhida.